"Mas o Senhor Deus chamou o homem e perguntou-lhe: 'Onde estás?' Ouvi o barulho dos vossos passos no jardim; tive medo, porque estou nu e me escondi" Gn. 3,9-10.
Caríssimos irmãos, o trecho que acabamos de ler, indica um gesto por demais interessante: Deus vindo ao encontro do homem, Deus vindo em busca do homem, aliás um encontro, uma busca que já eram comuns nos finais de tarde, se é que podemos pegar carona na imaginação do autor.
Mas o trecho revela outra situação, a do homem e da mulher. Ambos estão escondidos. Estar escondido é estar num lugar em que não pode, ou não quer ser descoberto. Essa é a situação de Adão e Eva. Estão fugindo, se escondendo. Fugir, se esconder é próprio de quem falhou, de quem errou, de quem está envergonhado pelo mal praticado.
Aí vem o medo, a vergonha, a humilhação, o sofrimento. Foi assim com o filho pródigo. Humilhado e derrotado, sofria distante, abandonado, sem se quer ter direito a comer as lavagens que os porcos comiam. Foi assim com a Madalena, na casa daquele fariseu, se pôs por trás, humilhada, derrotada, ferida por seus pecados.
É assim que acontece com todos nós. Ao errarmos, o mundo desmorona por sobre nossa cabeça. Ficamos um trapo, um lixo, um aborto, e como Adão e Eva também fugimos, nos escondemos, mentimos, tentando justificar o injustificável - nossos erros, como se eles não existissem.
Quantos irmãos nossos, pessoas fantásticas, esforçadas, combatentes, num dado momento erraram, falharam, se enganaram, e quase estragaram suas vidas.
Feliz aquele que diante de tal situação ainda encontra algumas ramagens, algumas folhagens. Verdade que isso não esconde ninguém, não guarda ninguém, mas não é a folhagem muito menos a ramagem que se quer realçar aqui, mas a graça, a misericórdia, o perdão do Pai que continua a chamar Pedro, João, Maria, Antonio, onde estás?
Apesar do simbolismo do texto, nós podemos agora nos reportar, viajar para este paraíso, para esse jardim imaginário, e fazer dele um lugar real, espiritual, teológico, um lugar do nosso encontro com Deus, que mais uma vez vem para passear conosco nas tardes turvas das nossas vidas.
"Quando os seus o souberam, saíram para o reter; pois diziam: Ele está fora de si" Mc. 3,21.
É importante notar que essa atitude dos parentes de Jesus se dá no momento em que Jesus está junto à uma grande multidão, sem tempo até para comer. "Também os escribas que haviam descido de Jerusalém, diziam: Ele esta possuído por beelzebul". Mc. 3,22a.
Meus irmãos não se lê na Bíblia nenhuma passagem sobre alguém próximo de Jesus, querendo prendê-lo, amarrá-lo, ou coisa semelhante, no momento em que Jesus oferece curas e milagres. Porque realmente a reação dos seus parentes, não é porque ele trocou a comida pelo serviço, não, a reação, é exatamente, porque o discurso mudou, a era dos milagres passou, o discurso chama para um compromisso, uma mudança e uma conversão; e como isso desagrada, e como isso desafia, e como isso incomoda, então, aquele que era tão bom quando fazia milagres, agora é um louco, um fora de si e, portanto, tendo que ser preso.
O mundo atual precisa de pessoas loucas como Jesus, pessoas capazes de dizerem não a si, para dizerem sim a tantos que chegam em dias e horários nem sempre convenientes. Quantas vezes já liguei pra colegas padres e sua secretária respondeu: Ele não pode atender, está dormindo. E não era uma multidão.
O mundo precisa de pessoas loucas como Jesus, que não temam a censura dos "seus" por atitudes contrárias à ordem e ao sistema, se esse sistema envelhecido não consegue ver a pessoa.
Pessoas que sejam capazes de quebrar as correntes da regra e da lei para promover o bem e a justiça àqueles que o mundo os baniu.
Com certeza foi isso que levou Jesus ser acusado de louco por seus parentes. Seu encontro com os publicanos e pecadores, seu diálogo com uma pagã da Samaria, suas transgressões para com o cumprimento da lei do sábado.
Chamar Jesus de louco nesse contexto, é assumir publicamente que não se enquadra no seu projeto, não entra na sua casa, não aceita a sua proposta, por isso estão fora.
Meus irmãos, façamos todo esforço possível para estarmos dentro, dentro da casa, dentro do projeto, dentro da proposta de Jesus. Mas um dentro que não seja apenas na teoria, na oração, na repetição de ritos religiosos.
Mas dentro, por causa da atitude, da coragem, da ousadia de propôr um mundo diferente, uma Igreja diferente, uma família diferente. Um homem e uma mulher diferentes.
Nem que para isso você seja chamado de demônio. É melhor ser chamado de demônio fazendo alguma coisa pelo irmão, que ser chamado de inútil, de inerte e de nada, porque nada fez pelo irmão.