sábado, 30 de março de 2013

DOMINGO DE PÁSCOA

"No primeiro dia da semana, Maria madalena foi ao túmulo de Jesus bem de madrugada, quando ainda estava escuro". Jo 20,1.


Meus irmãos, São João diz: Quando ainda estava escuro. Mas que escuridão é essa? Que noite e que trevas são essas? Seguramente essa escuridão diz respeito à nossa incapacidade de compreender, de ver, de amar, de perdoar, de aceitar.

Na cena de hoje a escuridão é aquela que cobre a mente, que cobre o coração, que escurece o nosso espírito nos deixando sem condição de compreender tudo o que aconteceu com Jesus nas últimas horas, principalmente sua ressurreição.

Meus irmãos sair da noite é um caminho que deve ser iniciado por todos nós. Sair da noite é sair da falta de fé, do ódio, do ressentimento, dos vícios, é sair da dificuldade de compreender o irmão que convive, mora, trabalha conosco. Sair da noite é fazer uma caminhada lenta e demorada na direção da conversão, do perdão e do amor.

Para que isto aconteça é preciso ir cedo, de madrugada, à procura do Senhor. Não acordamos cedo para tanta coisa? Trabalhos, futebol, academia, caminhada, saúde? 

Então, se quisermos avançar no processo de conversão, teremos que nos juntar à Maria Madalena e irmos com ela à procura do Senhor, mesmo na escuridão das nossas misérias e fracassos, mesmo errando aqui, e acertando ali. 

Como disse antes, é uma longa estrada. Conversão leva anos, às vezes precisamos sofrer, precisamos cair mais de uma vez não de um cavalo, mas de um edifício, para a gente acordar, criar coragem, se levantar e voltar para a vida.

Meus irmãos se a gente fizer o caminho, se aceitarmos o desafio de enfrentar as trevas do nosso pecado e da nossa indiferença, do nosso ódio e do nosso rancor, veremos como aos poucos o sol da ressurreição despontará no horizonte do nosso corpo e do nosso espírito.

Ontem no último parágrafo da minha homilia da Vigília Pascal eu deixei uma dúvida sobre a possibilidade de a pedra ter sido  ou não removida do túmulo. 

Todos sabem de que perda e de que túmulo eu estava falando, todos sabem que precisamos sim, é necessária sim a remoção dessa pedra, mas não daquela matéria dura, às vezes impenetrável, encontrada no solo, mas dos ressentimentos e das mágoas que petrificam o coração, deixam-no duro e incapaz de perceber que o túmulo está de fato vazio.


sexta-feira, 29 de março de 2013

HOMILIA DE SÁBADO SANTO



“No primeiro dia da semana, bem de madrugada, as mulheres foram ao túmulo de Jesus, levando os perfumes que haviam preparado.” Lc. 24,1.

Caríssimos irmãos, o Sábado chegou ao fim. Esse dia que na velha ordem, na velha lei foi dia de repouso e descanso, hoje foi um dia de tristeza, de sofrimento e de dor.

Ainda é possível contemplar os olhos dos apóstolos e das mulheres, tristes e perdidos na imensidão do infinito, tentando entender, tentando compreender, tentando conceber tudo o que se deu com o seu Senhor e Mestre.

Parece que um bombardeio caiu sobres eles, sobre suas cabeças e sobre as suas vidas, nesse sentido a única coisa que resta é correr ao túmulo, para cumprir os últimos serviços naturais àquele que morreu.

Isto mesmo, a comunidade na pessoa das mulheres vai à busca de um morto, de um defunto, ou seja, a comunidade ainda não conseguiu assimilar, não conseguiu fazer essa passagem. A realidade começa a mudar a partir do túmulo aberto e da pedra removida.

O túmulo significa fracasso, desgraça, derrota. Se o túmulo permanecesse, era a morte que permanecia, era a morte que vencia, era Deus que perdia.

Mas o dia já amanheceu, o dia já raiou, amanheceu e raiou não no aspecto físico ou natural, mas amanheceu nos aspectos espiritual, teológico, pascal. Ou seja, Deus venceu, o amor venceu a paz venceu.

Mas uma vez Deus fez sua parte, agora cabe a nós fazermos a nossa. Deus abriu o túmulo e removeu a pedra. Agora somos nós que precisamos voltar para dentro de nós, para o nosso coração às vezes fechado, endurecido, magoado, para vermos quais pedras precisam ser tiradas, removidas, senão, quebradas.

Infelizmente neste momento da história assistimos violência atrás de violência, desavenças familiares, filhos que gritam com os seus pais, pais que não são bons exemplos para seus filhos. Isto é, as trevas continuam insistentes em suas vidas, a noite não acabou.

A interrogação: O que este acontecimento, a Ressurreição de Jesus pode mexer com a nossa vida? Ou será apenas mais um rito, mais uma celebração? Que consequência social política, religiosa, cultural este acontecimento nos trás? Ou vamos nos contentar com o litúrgico e espiritual e pronto?

Do ponto de vista social nós sabemos os tantos cristos que morrem todo dia, de fome, de sede, de doenças porque não podem pagar a saúde seletiva e cara do nosso País. Ainda no aspecto social, assinalamos o papel das mulheres na sociedade, aquelas que hoje se juntam às que vão ao túmulo, Deus dando a elas o protagonismo de serem as primeiras a receberem a notícia da ressurreição numa sociedade que dava pouca chance às mulheres.

Ainda é desproporcional o número pequeno de mulheres em relação ao de homens no que tange à ocupação nos cargos públicos. Não há alegria em saber que numa câmara de vereadores como as dos nossos municípios que suportam de 09 a 13 membros, tenha apenas uma mulher, e às vezes nenhuma. E nesse caso é bom lembrar, as mulheres precisam acreditar mais nelas.

Sobre o aspecto religioso, há pouca diferença, os leigos continuam fazendo o mínimo na Igreja, as mulheres são proibidas entre outras coisas de proclamarem o Evangelho na Eucaristia, os ministros extraordinários da Sagrada Comunhão, mal ajudam o padre no altar, e há padres que ainda os impedem de misturarem a água no vinho, porque só ele é que pode fazer, o ministro não é digno. 

É preciso também remover as pedras que existem em algumas mentes e corações, é preciso que alguns corações  - túmulos se abram para uma proposta de Igreja mais simples, mais leve para o povo, para que o ambiente aqui não continue sendo de silêncio e de dor como o de ontem em Jerusalém, mas um ambiente de alegria e de paz, afinal, a pedra não está mais lá. Ou está?







quarta-feira, 27 de março de 2013

HOMILIA DE 5ª FEIRA SANTA


Meus irmãos, não só a cena desta noite, mas tudo o que pudemos viver nesta semana, mostra que não devemos ter mais dúvida do amor de Jesus por nós.

"Como duvidar de alguém, que num dado momento reúne os amigos, toma uma bacia com água, uma toalha e vai de um a um lavando os pés dos seus amigos" Padre Léo.   

Como duvidar do amor de alguém que num dado momento vai à casa de Lázaro, que já está morto há quatro dias e lhe devolve a vida, num momento em que todas as esperanças já tinham sido esgotadas?

Como duvidar do amor de alguém que na última refeição separa o pão e vinho e diz: Isto é o meu corpo dado, entregue, esmagado e dividido na cruz amanhã, por amor de vós, um amor que não volta atrás?

Esta humilhação, este esmagamento, esta total entrega começou no Getsêmani , foi lá que o médico Lucas notou que na sua angústia mortal, seu suor se convertia em sangue. 

Meus irmãos, não tenhamos dúvidas, entre outras razões, a razão de tamanha angústia pela qual o Salvador passava, estavam ali nosso desamor, nosso rancor, nosso pecado. O pecado é como uma espada cortante, e ele fere não somente o coração, mas também a alma. Toda vez que ele nos atinge, é a Jesus que atingimos, toda vez que ele nos fere, é a Jesus que ferimos, toda  vez que ele nos crava, é a Jesus que cravamos, é a Jesus que matamos.

Hoje, novamente estamos celebrando a Última Ceia. E o que é a Última Ceia? A Última Ceia é Jesus dizendo para nós o que disse a Pedro: Deixa eu te lavar, deixa eu tirar a sujeira dos teus pecados, deixa eu te banhar com a água que jorra do meu peito, ferido pela lança.

Deixa eu te purificar, deixa eu te santificar, deixa eu te curar com o sangue que jorra do meu peito ferido pela lança. 

A Última Ceia é Jesus dizendo para nós o que disse à pecadora: Onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou? Eu também não te condeno. 

Semana passada tivemos, os padres, as irmãs, bastante leigos, na diocese discutindo acerca das diretrizes diocesanas para os sacramentos, tendo sido o matrimônio, bem como o que o pode  levar a uma declaração de nulidade, apresentados pelo Vigário Judicial do Tribunal Eclesiástico do Maranhão, o Padre Ivanildo da Diocese de Imperatriz. 

Tanto no que se refere às normas escritas no Diretório para os Sacramentos e no Código de Direito Canônico; quanto às posições expressas ali por muitas pessoas, viu-se como estamos distantes, longe de termos uma Igreja com atitudes e posições tão livres e porque não dizer tão loucas e desmedidamente bonitas, como a de Jesus para com a pecadora e como a do Pai para com o filho pródigo.

Não se pode dizer que os códigos, as normas e as rubricas contidas ali, expressam qualquer condenação a quem quer que seja, mas as proibições, as exigências, as matérias, as rubricas ali contidas, distam muito do que as pessoas neste instante vivem, enfrentam, sentem e discutam na sua casa, no supermercado, na rua, no trabalho, na Igreja e na sociedade como um todo. 

A Última Ceia é o ato através do qual Jesus se  faz o menor, o servo, o escravo; para os servos, os escravos, os menores tornarem-se senhores. Não sei se a proposta de Igreja que temos hoje, essa que sai das páginas das nossas Diretrizes, dos nossos Códigos e dos nossos Missais chegam perto dessa proposta manifestada em gesto, oferecida por Jesus na Última Ceia.

Nós, enquanto coordenadores, enquanto agentes de pastoral, enquanto clero, enquanto religiosos e religiosas temos medo de sair do padrão, temos medo de sair parâmetro, temos medo de sair da ordem, temos medo de sair do "normal". E quem pode afirmar que esse padrão responde as exigências do contexto de agora? Quem diz que esse parâmetro, essa maneira estão de fato corretas? Quem diz que esse normal está certo?

Jesus saiu do "normal", do padrão, do sistema, do normal de uma religião e de uma lei que só viam defeitos e impurezas nas pessoas; e fez isso se envolvendo e se misturando com "os sem leis", com "os sem classes" e com "os sem padrões"; realizando gestos tão livres e tão ousados como o de hoje, sem medo de ser censurado e criticado por aquela sociedade  que só acusava, só apontava o dedo, mas não via a profundidade das rachaduras das suas hipocrisias.

Enquanto nós padres, bispos, leigos, vamos apenas reproduzindo, repetindo e mantendo o padrão, a norma, às vezes por incompetência ou medo de corrermos um risco maior, a Igreja de Jesus Cristo vai ficando cada vez mais fria, cada vez mais vazia, cada vez mais só.

Não basta dizer que amamos e acolhemos o drogado, a prostituta o homo afetivo, o amigado, mantendo-os à distância, como um cão que causa medo, é suspeito  e vai pôr em dúvida, em risco, em cheque nossa lei, nossa religião, nossa moral e nossa fé. Mas, devemos  tê-los juntos de nós fazendo refeição conosco, ceiando conosco, comungando conosco, sentindo-se não desprezado, excluído, impedido  ou abandonado, mas abraçado, lavado e beijado os seus pés, como  fez Jesus quando abraçou,  lavou e beijou os pés dos excluídos da sociedade do seu tempo. 









domingo, 17 de março de 2013

V DOMINGO DA QUARESMA

A MULHER ADÚLTERA
"Por causa dele eu perdi tudo. Considero tudo como lixo, para ganhar Cristo e ser encontrado, unido a ele" Fil. 3,8b.

Meus irmãos neste 5º Domingo da Quaresma, a liturgia reforça o convite à conversão e à santificação. Uma conversão que não se basta com o muito ou pouco que fizemos. Por exemplo, há pessoas corretas, sinceras, tipo o fariseu da semana passada, que não faltam às missas, cumprem religiosamente suas obrigações, se doam sem reservas. Ótimo! parabéns! Mas tudo isso é suficiente? Podemos nos contentar com tudo o que fizemos e deitar despreocupadamente, certo do dever cumprido? São Paulo diz que não.

"Não que eu já tenha recebido tudo isso ou que já seja perfeito. Mas corro para alcançá-lo, visto que já fui alcançado por Cristo Jesus". Fil. 3, 12. "Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo-me o que fica para trás". Fil. 8, 13b. Vantagens, prazeres, orgias, bebedeiras, ódio, mágoa, ressentimento, rancor, eu me lanço para o que está na frente. Corro para meta, corro para o gol, corro na direção para onde está Deus, sua graça e sua salvação, que passam a ser minhas também.

Pronto meus irmãos, isto é conversão, isto é santificação. Conversão é considerar tudo como lixo, como perda, o que é passageiro, o que é limitado, o que é corruptível, estragável, para ganhar Cristo e ser encontrado, apanhado, resgatado, perdoado, abraçado, beijado, como o filho encontrado no Evangelho de Domingo passado, por Ele.

Sebastião Caldas, Iracema, Dona Luca, Dudu,  ninguém te condenou? Eu também não te condeno. Vai e não peques mais. Estamos falando da cena que acontece de madrugada no Templo de Jerusalém. Estando Jesus ali ensinando, chega trazida pelos fariseus e mestres da lei, uma mulher que foi surpreendida em flagrante adultério. Mestre essa mulher foi apanhada em flagrante adultério, Moisés na lei mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu? Como Jesus não responde, eles insistem na pergunta. É quando Jesus se levanta e diz: Quem dentre vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra. E todos saíram porque todos tinham pecado.

Meus irmãos, não podemos negar que aquela mulher somos nós agora, ou fomos nós em algum momento da nossa vida, igualmente manchados e feridos, derrotados pelas tantas falhas cometidas. Com uma diferença, o que ela fez alguém percebeu, viu, denunciou, tornou público, o que fizemos continua oculto.

Uma vez lendo um livro o autor dizia: "Onde há miséria, onde há pessoa encurvada, humilhada e massacrada pelo peso de suas culpas e de suas falhas, é aí que começa a brotar, é aí que começa a nascer sua libertação".

A conversão vai no rumo do que falou o Profeta Isaías. Não fiquem lembrando as coisas do passado, não fiquem lembrando as coisas antigas. Meus irmãos, há pessoas que parecem um armário que guarda coisas velhas, ressentimentos, mágoas, ciúmes, invejas. Esses sentimentos são fortes e bloqueiam a percepção das coisas boas que o  outro venha a fazer.

Quando o povo caminhava pelo deserto e a sede era insuportável, Moisés teve que tomar de uma vara e foi bater numa pedra. Ao ferir a pedra, a água jorrou e todos saciaram sua sede. Há pessoas que precisam ser batidas e consequentemente feridas com a vara da oração, para delas jorrar  águas de humildade, águas  de santidade e de perdão.

Muitas vezes, semelhantes aos fariseus e aos mestres da lei achamos que não temos fendas, falhas, rugas e demonstramos isso no olhar, no gesto e na fala às vezes tão severos e tão duros para com quem caiu e errou.

Em mim continua muito forte a imagem, a cena do filho do domingo passado voltando, prostituído, ferido e chagado pelos adultérios cometidos, e o pai sem censurar, sem reprimir, sem apedrejar, sem condenar vai ao encontro e o cobre de beijos, dando a ele toda a dignidade, toda a misericórdia e  amor que o pecado o fizera perder.

É fácil condenar os outros, é fácil apontar o dedo para os outros, é fácil atirar pedras nos outros, difícil é perceber o vaso frágil, a cana rachada, o pavio de pequeno fogo que somos nós.

Sebastião Caldas, Iracema, Dona Luca, Dudu,  Dona Jesus, ninguém te condenou? Eu também não te condeno, eu também não te censuro, eu só quero te amar, te abraçar, ter cobrir de beijos. Amém.


quinta-feira, 14 de março de 2013

TEXTO DE LEONARDO BOFF


O PAPA FRANCISCO, CHAMADO A RESTAURAR A IGREJA

14/03/2013


Nas redes sociais havia anunciado que o futuro Papa iria se chamar Francisco. E não me enganei. Por que Francisco? Porque São Francisco começou sua conversão ao ouvir o Crucifixo da capelinha de São Damião lhe dizer:”Francisco, vai e restaura a minha casa; olhe que ela está em ruínas”(S.Boaventura, Legenda Maior II,1).


Francisco tomou ao pé da letra estas palavras e reconstruíu a igrejinha da Porciúncula que existe ainda em Assis dentro de uma imensa catedral. Depois entendeu que se tratava de algo espiritual: restaurar a “Igreja que Cristo resgatara com seu sangue”(op.cit). Foi então que começou seu movimento de renovação da Igreja que era presidida pelo Papa mais poderoso da história, Inocêncio III. Começou morando com os hansenianos e de braço com um deles ia pelos caminhos pregando o evangelho em língua popular e não em latim.

É bom que se saiba que Francisco nunca foi padre mas apenas leigo. Só no final da vida, quando os Papas proibiram que os leigos pregassem, aceitou ser diácono à condição de não receber nenhuma remuneração pelo cargo.

Por que o Card. Jorge Mario Bergoglio escolheu o nome de Francisco? A meu ver foi exatamente porque se deu conta de que a Igreja, está em ruinas pela desmoralização dos vários escândalos que atingiram o que ela tinha de mais precioso: a moralidade e a credibilidade.

Francisco não é um nome. É um projeto de Igreja, pobre, simples, evangélica e destituída de todo o poder. É uma Igreja que anda pelos caminhos, junto com os últimos; que cria as primeiras comunidades de irmãos que rezam o breviário debaixo de árvores junto com os passarinhos. É uma Igreja ecológica que chama a todos os seres com a doce palavra de “irmãos e irmãs”. Francisco se mostrou obediente à Igreja dos Papas e, ao mesmo tempo, seguiu seu próprio caminho com o evangelho da pobreza na mão. Escreveu o então teólogo Joseph Ratzinger: ”O não de Francisco àquele tipo de Igreja não poderia ser mais radical, é o que chamaríamos de protesto profético”(em Zeit Jesu, Herder 1970, 269). Ele não fala, simplesmente inaugura o novo.

Creio que o Papa Francisco tem em mente uma Igreja assim, fora dos palácios e dos símbolos do poder. Mostrou-o ao aparecer em público. Normalmente os Papas e Ratizinger principalmente punham sobre os ombros a mozeta aquela capinha, cheia de brocados e ouro que só os imperadores podiam usar. O Papa Francisco veio simplesmente vestido de branco e com a cruz de bispo. Três pontos são de ressaltar em sua fala e são de grande significação simbólica.

O primeiro: disse que quer “presidir na caridade”. Isso desde a Reforma e nos melhores teólogos do ecumenismo era cobrado. O Papa não deve presidir com como um monarca absoluto, revestido de poder sagrado como o prevê o direito canônico. Segundo Jesus, deve presidir no amor e fortalecer a fé dos irmãos e irmãs.

O segundo: deu centralidade ao Povo de Deus, tão realçada pelo Vaticano II e posta de lado pelos dois Papas anteriores em favor da Hierarquia. O Papa Francisco, humildemente, pede que o Povo de Deus reze por ele e o abençoe. Somente depois, ele abençoará o Povo de Deus. Isto significa: ele está ai para servir e não par ser servido. Pede que o ajudem a construir um caminho juntos. E clama por fraternidade para toda a humanidade onde os seres humanos não se reconhecem como irmãos e irmãs mas reféns dos mecanismos da economia.

Por fim, evitou toda a espetacularização da figura do Papa. Não estendeu os braços para saudar o povo. Ficou parado, imóvel, sério e sóbrio, diria, quase assustado. Apenas se via a figura branca que olhava com carinho para a multidão. Mas irradiava paz e confiança. Usou de humor falando sem uma retórica oficialista. Como um pastor fala aos seus fiéis.
Cabe por último ressaltar que é um Papa que vem do Grande Sul, onde estão os pobres da Terra e onde vivem 60% dos católicos. Com sua experiência de pastor, com uma nova visão das coisas, a partir de baixo, poderá reformar a Cúria, descentralizar a administração e conferir um rosto novo e crível à Igreja.



Leonardo Boff é autor de São Francisco de Assis: ternura e vigor, Vozes 1999.

domingo, 10 de março de 2013

HOMILIA IV DOMINGO DA QUARESMA


"Dias depois o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu para uma terra longínqua e lá dissipou todos os seus bens vivendo dissolutamente" Lucas 15,13

Meus irmãos o Evangelho deste domingo apresenta esta magnífica parábola, nos questionando sobre qual desses filhos se parecem conosco, qual deles tem o nosso aspecto.

A parábola ilustra muito bem o que é o pecado e até onde ele pode levar a pessoa que se deixou conduzir e  contaminar por ele. O pecado empolga, o pecado seduz, o pecado encanta, para depois humilhar e até matar quem se deixou levar. 

Não devia ser assim, mas é só depois de muita dor e sofrimento que a gente se levanta, que diz como o personagem de hoje: "vou me levantar, vou voltar para meu pai e dizer: Pai, pequei contra o céu e contra Ti..." Um retorno que começa pela consciência da decisão tomada errada, essa consciência desemboca num repúdio à ofensa cometida contra a casa do Pai, contra o amor do Pai, contra a vida do Pai.

Uma vez lendo o livro "A Volta do Filho Pródigo", de Rembrandt,  era feita essa reflexão: "A ofensa começou com a partida, partir é desejar a morte do Pai. O filho indo embora é, portanto, um fato muito mais grave do que parece à primeira vista. É uma rejeição cruel ao lar no qual o filho nasceu e foi criado. Quando Lucas escreve, partiu para uma região longínqua, continua o autor, ele se refere não ao desejo de um jovem de ver o mundo, mas sim a uma quebra drástica da maneira de viver, pensar e agir que recebeu no seio da família e na comunidade. O país distante é o mundo no qual não se respeita o que em casa é considerado sagrado. Deixar a casa é, portanto, mas do que um acontecimento histórico limitado ao tempo e lugar, é negar a realidade espiritual de que pertenço a Deus com todo o meu ser, é negar que Deus me ampara num eterno abraço, que sou moldado nas palmas das mãos de Deus e escondido nas suas sombras".

Iniciei essa homilia ressaltando através da parábola com qual dos filhos a gente se parecia. E eu gostaria que a gente parecesse com os dois por um momento. Parecesse com o filho mais velho pela sua lealdade, pela maneira correta com que ele cumpre os mandamentos da lei. "Eu nunca desobedeci qualquer ordem tua...". Sim, eu estou dizendo para sermos fariseus naquilo que se refere ao cumprimento das responsabilidades. Todos sabemos como somos relaxados nos cumprimentos dos nosso deveres, por nada deixamos de ir a uma missa ou a um encontro da Paróquia, aulas na faculdade, nossa casa, nossos serviços, ou seja, damos para Cristo a sobra, o resto. Depois que satisfazemos nossos interesses é que damos um pouco para Cristo. Então, ser fariseu aqui, é ser naquilo que é feito sem reservas para Deus e para a Igreja. A diferença para com o fariseu, seria, depois de toda a lei, toda a obrigação, todo o dever cumprido, acolher e amar o irmão que ainda não alcançou essa virtude.

Ser também o filho mais novo, enquanto me falta forças para dizer não ao pecado e a tudo o que me distancia da casa e do coração do Pai. Raiva, ressentimento, luxúria, ciúme, desejo de vingança e rivalidades são sinais de que eu saí da casa do Pai. Mas sempre com o desejo de voltar, de retornar e fazer de novo a confissão...

As lavagens continuam existindo aos montes e por todo canto, patrões para oferecer, não para negar como o da parábola, tem aos montes. Moças e rapazes, homens e mulheres prontos para comerem, como tem. 

Oxalá nossos jovens, tenham força e se levantem, e toda a sua fome seja saciada não pelas comidas fáceis encontradas nas esquina, nos becos escuros e nos bares, mas pelo pão do céu oferecido em cada Eucaristia.