sexta-feira, 25 de maio de 2012

HOMILIA DA VIGÍLIA DE PENTECOSTES

"Se alguém tiver sede, venha a mim e beba". Jo 7,37b

Caríssimos irmãos há 50 dias atrás, mais ou menos por esta mesma hora, neste mesmo lugar nós, com pedaços de paus, gravetos e cavacos, acesos, acendíamos o Círio Pascal, dando assim início à celebração da  Mãe de todas as vigílias, a Vigília Pascal.

Apesar de não termos cessado de celebrar a Eucaristia ao longo dessas semanas, não sei se tivemos atentos, de que aquele fogo e aquelas chamas que acenderam o Círio Pascal, não ficaram na noite daquela festa e daquela celebração, mas se estenderam até hoje, e os raios daquele fogo, não dos gravetos e cavacos, mas do fogo do próprio Jesus, se encontram com os raios do fogo desta noite, que é o fogo do Espírito Santo, clareando, aquecendo e incendiando as noites das nossas trevas que ainda teimam em escurecer nossos corações.

Mas o convite de hoje, é: "se alguém tiver sede venha a mim e beba", convite este completado por um trecho do profeta Zacarias: "Quem crer em mim" como diz a escritura: "Do seu interior manarão rios de água viva" Zac 14,8.

Meus irmãos domingo passado iniciei minha homilia tratando exatamente do ato de crer, assinalando que crer significa ir ao encontro de Jesus como discípulo dele. Discípulo que escuta o ensinamento do Mestre e converte este ensinamento em gestos de fraternidade, justiça e solidariedade.

Quem tiver sede venha: falar da água, me faz recordar alguns momentos ao longo da história do povo de Deus. Primeiro, o dilúvio, onde o pecado da humanidade ali se afogava, ali se sucumbia, para emergir uma nova criatura, através da nova criação inaugurada por Cristo mediante sua Paixão e Morte Redentora.

Mais tarde no deserto, quando o povo sente sede, Moisés tomando de uma vara, fere a pedra e a água jorra, saciando a sede do povo.

Penso que esses dois registros são suficientes para num salto aos dias atuais, pensar na seca porque passa grande parte do povo nordestino, fenômeno, que uma vez assistido e ouvido pela televisão, nos choca, nos emociona, nos faz ter pena até, mas talvez esqueçamos de aferir, de verificar,  que tal situação não acontece unicamente como um ato natural, mas também, é fruto da ação desastrada do homem, que faz da terra um baú, onde ele só mete a mão, explora, violenta, agride, e o pior, violenta e agride porque o lucro e o capital são o que mais lhe interessam, em detrimento, de culturas, vidas e histórias construídas ao longo de anos e anos, mas ali em minutos, em segundos, violentadas, agredidas, desrespeitadas, destruídas.

Meus irmãos, vocês podem está se perguntando: o que isso tem a ver com a festa de hoje, o que isso tem a ver com a Vigília de Pentecostes?

Por que não estamos aqui apenas louvando, dando glórias, cantando? Podemos, podemos sim, cantar, louvar, dar glórias, mas tudo isso pode parecer um ato alienante, se a a gente não sentar os pés na realidade, não sentar os pés na situação, não sentar os pés no chão do problema. E a realidade, a situação e o problema são milhões de pessoas famintas, sem casa, sem terra, sem direito, sem saúde, sem educação e sem vida, espalhadas por este mundo todo, e as vezes, bem perto dos nossos olhos, o que falta-nos, é enxergar, ver, descer até elas.

Neste sentido celebrar a Vigília de Pentecostes sem tocar nessas questões é fechar os olhos para um problema que ceifa a vida de milhões de irmãos nossos. Irmãos que semelhantes ao povo do deserto estão igualmente com sede, sede de pão, sede direito e sede de justiça, sede de moradia, precisando neste instante de novos Moisés que não tenham medo de tomar da vara da palavra, da vara da eucaristia, da vara do Evangelho, e ferir, mas se ferir não resolver, quebrar as pedras, e as rochas de agora, que têm impedido, dificultado a vida de tanta gente.

E a propósito, da indicação do Profeta Zacarias: Do seu interior brotarão rios de água viva, perguntemo-nos: como vai nosso interior? Que fonte estamos buscando para saciar nossa sede? Qual é mesmo a nossa sede? O que é mesmo que nos inquieta neste momento de tanta aridez e de tanta rachadura no solo da nossa sociedade política, econômica, no solo da nossa sociedade religiosa brasileira?

Nós temos sido uma Igreja profética, libertadora, que se deixa usar pelos pequenos e pobres, pelos humildes e fracos,  para gritar ao mundo, para ser a sua voz no mundo, e para dizer ao mundo que a fome  e a sede que pesam sobre suas costas, não é um ato casual, muito menos vontade de Deus, mas um plano, uma elaboração do próprio homem na ganância de mais ter?

Nós, enquanto Igreja, temo-nos feitos a voz deste povo, como os profetas do passado, que se fizeram a voz de Deus, e gritaram, e denunciaram, e morreram, ou ao contrário, estamos acomodados, quietos, produzindo uma Igreja elitizada, aburguesada, morna, silenciosa, apática, amarelada, omissa, ou a Igreja dos grandes templos, das grandes e lindas vestes, das vestes dos reis e imperadores, que nos encantam, que encantam o nosso povo? Mas ninguém se pergunta o que os reis e os imperadores, os mesmos que usavam tais vestes, faziam com o povo?

Hoje, não são poucas as Paróquias, Igrejas e Capelas por todo canto realizando ato semelhante ao nosso, palestras, gincanas, shows, adorações e Eucaristias. Oxalá! Junto a toda a sua programação, não esqueçam de lembrar dos milhões e milhões de pobres, de desempregados, de moradores de rua, de moradores de viadutos, de bancos de praças, favelas e calçadas, abandonados por esta sociedade. E assim, a nossa celebração, a nossa liturgia, mas que uma celebração e uma liturgia, seja também um grito, uma denúncia profética contra o sistema econômico, capitalista, que mergulhado no projeto de ter mais, exclui pequenos e pobres, índios e negros, homens e mulheres,  pelos quatro cantos deste país; até que um momento, o fogo que acendeu o Círio pascal a 50 dias e que hoje se encontra, se mistura e se confunde com o fogo desta noite, o fogo do Espírito Santo, possam aquecer, possam esquentar, possam aliviar o frio, a dor e a fome desses irmãos, e assim o Pentecostes desta noite, o Pentecostes Litúrgico, o Pentecostes Espiritual, se traduza e se converta nas suas vidas, na vida desses irmãos, em Pentecostes de pão, em Pentecoste de alimento, em Pentecostes de direito, em Pentecostes de justiça em Pentecostes de vida e dignidade. AMÉM














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